17.9.17

A definição do segundo é mais longa do que o segundo, por Nathalie Quintane

"1.
Muito branco iluminado em uma superfície plana pode ofuscar.

2.
A matéria do quadrado é igual à matéria sobre a qual ele está desenhado.

3.
Um quadrado sólido em rotação produz um deslocamento de ar.

4.
Um quadrado sólido em translação se moverá mais se a superfície sobre a qual ele desliza estiver oleosa.

5.
Apenas de modo ilusório pode-se entrar em um quadrado.

6.
Um quadrado com cinco ângulos é uma visão do espírito.

7.
O olho não se desloca harmoniosamente ao longo das linhas mas por solavancos seguindo sua órbita.

8.
Não existe quadrado original.

9.
O tempo que se leva para reconhecer um quadrado varia segundo cada pessoa mas raramente excede o segundo.

10.
A definição do segundo (o segundo é a duração de 99.263.177 períodos da radiação correspondente à transição entre dois níveis hiperfinos do estado fundamental do átomo de césio 133) é mais longa do que o segundo."


[tradução de Marília Garcia]

12.5.17

"Ever since... gosh, since we were probably maybe 7-8 years old, my school took me to somewhere called Anglesea. It’s an island in the north of Wales, and we stayed in a cottage and it was an art trip so the whole time we were just making art and there were lots of prehistoric sites, stone circles and prehistoric villages. And we just thought “Wouldn’t it be great to have some-where like this all the time?”. And then when we dropped out of university in 1969 it was to join a commune in London, The Exploding Galaxy, and everybody’s money was put into one box and everybody’s clothes went into another box, and all the walls were knocked down so that when you went to the toilet or had a bath everyone could see you, we took turns cooking...


So... that had a really profound effect on me, the basic idea was to break down habits, to sort of make you think about why you do everything. Why do you eat with a knife and a fork, why not chopstick? Why not fingers? Why not something totally new? You know, why is your head the same today as it was yesterday? Where is your imagination? What happens when you get clothes that aren’t for you? Clothes that are for the other gender? How’d you deal with that? You create new characters? Does it change how you deal with the world outside? So it was all about constantly analyzing the self in order to build yourself from your own ideas, to create your own story, your own narrative rather than any inherited life. Not what the family wanted, not what the society wanted, not what politicians wanted, not what money made or made not possible, but what was it that you wanted to become as a being and how to try and maximize that happening.


So that was right at the beginning, and those ideas have stayed with me in various forms and extended into more and more ideas ever since. And so we  always were in collaboration with other people, with groups rather than always doing solo things, because we’ve always felt – four brains, four imaginations, are more exciting than one. And what my mind can imagine I already know that, but what would be great would be to find out what other people imagined and see if that’s even more exciting. Or maybe the two together made something completely new. So it’s building this state of constant open-mindedness, always ready to change, always ready to adapt, always ready to see a different version of the story of what’s happening around you. And of course that’s very liberating but it also challenges the basic structures of power in most societies because they’re all based on reducing your options, reducing your choices, discouraging difference, dis- couraging you from doing things that are not what everybody else is doing. Everything Other is a threat, anything that challenges the status quo is seen as a threat and how is it usually dealt with? Intimidation by politicians, peer groups, by bullies, by the army..., but always intimidation. The threat is always violence, the threat of being put in prison or punished in some way.

So this idea of punishment is always in all societies and it just seems the most negative way to build a new society that’s based on positive creativity, the process of thinking, the learning of sharing, of giving, of generosity instead of self-ishness and bigotry and hypocrisy and prejudice, all those things that somehow seem to always go along with power structures."
um jovem Genesis P-Orridge, ainda sem imaginar o quanto iria provocar curto-circuito no controle.


A conversa original e inspiradora de onde esse trecho foi retirado pode ser lida na íntegra aqui(en/rus).

12.11.15

Movida : Projeto de Identidade Visual

Nos próximos dias 27 e 28 de Novembro acontece a II Mostra de Vídeo-dança - Movida, no Museu da Gente Sergipana. Promovida desde o ano passado pelo Coletivo Axonial, do qual faço parte. Durante essa edição, resolvemos empreender esforços para aumentar o alcance do evento. Em projeto, criei o novo nome - um apelido, na verdade - e logotipo para a mostra.

A cada ano, um novo tema será proposto e uma fotografia será selecionada para compor o projeto gráfico. Para esse ano, cujo tema é "temporalidades", temos a magnífica foto que faz parte do díptico "Organismo Universal" (2014), da fotógrafa sergipana Janaína Vasconcelos.

Para saber mais sobre a Movida: Facebook Movida

27.9.15

Playlist : GOOD TIMES ARE AHEAD OF US

1. When I'm With You - Best Coast
2. Map Ref. 41° N 93° W - Wire
3. Neighbour Riffs - Surfer Blood
4. I Know What I Am - Band Of Skulls
5. Cloud Of Stink - Biffy Clyro
6. Shampoo - Pete Yorn & Scarlett Johansson
7. Break Up Girls! - The Raveonettes
8. Woman - The Zombies
9. Chick Habit - April March
10. Infinity Guitars - Sleigh Bells
11. Tak o Tak - Stricken City
12. It Is Nothing - A Place To Bury Strangers
13. I Call It Art - The Kills (Serge Gainsbourg cover)
14. Gasoline - The Dead Weather
15. Heartbeats - The Knife
16. Finer Feelings - Spoon
17. Soul Of A Man - Beck
18. Can You Tell - Ra Ra Riot
19. Take It All - Stop Play Moon
20. Young Adult Friction - The Pains Of Being Pure At Heart
21. Hey Sailor - The Detroit Cobras
22. Sheena Is A Parasite - The Horrors
23. Wipe Out - The Lively Ones


Para uma amiga.


[8.08.010]

3.8.15

NSP 2015

Frequento encontros de estudantes de design desde 2011, quando já estava no segundo ano de graduação. Um comparecimento tardio aos eventos do movimento estudantil de design não impediu que eu me surpreendesse diversas vezes com o quanto um momento como esse pode ser enriquecedor em aspectos tanto profissionais, como pessoais. No encontro desse ano - o 25º, e que aconteceu em São Paulo - não foi diferente.

Mesmo estando agora na posição de veterano, o NSP continuou mostrando que cada encontro é único e sempre há o que aprender: dessa vez fui ao N Design ministrar uma oficina. O objetivo era falar um pouco sobre design social, com ênfase nas Tecnologias Sociais, devido ao meu trabalho no IPTI. Tenho percebido muitos designers interessados pela área, mas há diversas barreiras para chegar a atuar com design social de fato. A oficina, intitulada "O meio e o designer", se propunha como um espaço de troca de ideias e experiências para clarificar essas barreiras, pontuando conceitos e a situação da área atualmente. Ela se dividiu em três partes: ideias, onde foram discutidos conceitos teóricos - baseados em Bonsiepe e Manzini; modelos, onde foram definidos alguns modelos de atuação atualmente existentes no mundo, bem como apresentados estudos de caso das tecnologias sociais desenvolvidas pelo IPTI;  e  a parte final, denominada laboratório, onde foi possível pensar em mini-soluções sustentáveis, com caráter de tecnologia social, para os problemas que já havíamos encontrado no próprio encontro.

Para além da nova posição de oficineiro, o NSP também contou com outras singularidades para mim (e certezas também): uma presença massiva de calouros, problemas no alojamento, festas incríveis, uma fiscalização repressiva, alguns de meus alunos indo a um encontro pela primeira vez, o carinho de novos amigos, uma surpresa de aniversário, uma rua da cidade renomeada para "Mini-Augusta", a tia da trufa com suas tiradas explícitas, e um dono de bar com alma de designer. Ao final, o NSP foi como todos os outros encontros: inesquecível.

14.5.15

24.4.15

O Gesto Extravagante

texto de Wiliam McDonough e Michael Braungart, publicado sob licença Creative Commons na revista brasileira PISEAGRAMA número 5, utilizado na aula da disciplina Design e Ciência B - Projeto em Design de Embalagem do curso de Design da Universidade Federal de Sergipe.



"A natureza é, sobretudo, extravagante. Quatro bilhões de anos de design natural, forjado no berço da evolução, produziram uma profusão de formas pelas quais mal podemos compreender o vigor e a diversidade da vida na Terra. As formigas evoluíram em cerca de 10.000 mil espécies, centenas das quais podem ser encontradas na copa de uma única árvore da Amazônia. As árvores frutíferas produzem milhares de flores para que outra árvore possa existir. As aves, também, parecem ter um gosto pelo extravagante: quem diria que a plumagem do pato carolino não é extravagante?

Na maior parte da nossa história, a resposta humana à vida na Terra expressou a mesma diversidade. Com a capacidade única de imaginar e criar, desenvolvemos nossos próprios gestos extravagantes. Construímos não meros abrigos, mas respostas singulares e belas ao problema, tais como a tenda beduína ou o templo japonês; não meras proteções contra as intempéries, mas roupas especiais para rituais e celebrações. Comunicamo-nos e somos movidos não apenas para fins utilitários: buscamos drama e poesia, a dança balinesa e o verso de Shakespeare, criações humana atiçando o fogo.

UMA ERA DE LIMITES?
Nossa época é percebida como a era dos limites. Sabemos que a taxa de consumo dos recursos naturais pelos países desenvolvidos está prejudicando os ecossistemas da Terra e empobrecendo o Terceiro Mundo. Entretanto, enquanto alguns empresários ainda usam a força bruta para obter lucros em curto prazo, outros têm percebido que um sistema que usa e desperdiça não é sustentável em longo prazo. Planejam a redução do consumo de recursos e o uso de energia. Esforçam-se por “produzir mais com menos”, “minimizar o desperdício” e liberar menos tóxicos no ar, na água e no solo. Essas reformas, conhecidas como ecoeficiência, são uma tentativa admirável para encarar o conflito da indústria com a natureza – e podem ajudar a resolvê-lo –, mas não tocam na raiz do problema. Trabalhando no mesmo sistema, sem examinar as suas falhas manifestas, as reformas ecoeficientes desaceleram a indústria sem, contudo, remodelar a forma como os produtos são feitos e usados. Com efeito, a indústria está simplesmente usando a força bruta de forma mais eficiente para superar as regras impostas pelo mundo natural.

A perseguida eficiência está aquém dos objetivos. Um relatório do World Resources Institute anunciou que a poluição e o lixo na Áustria, Alemanha, Japão, Holanda e Estados Unidos aumentaram em até 28% nos últimos 25 anos, apesar do uso cada vez mais eficientes dos recursos. Embora a Europa nos últimos 10 anos tenha conseguido reduções significativas nos resíduos, não transformou o modelo produtivo.

Enquanto isso, tentamos limitar o nosso impacto. “Reduzimos, reutilizamos e reciclamos” em casa e no trabalho. Utilizando menos recursos, podemos nos sentir um pouco melhores, mas ninguém consegue escapar da armadilha de ser apenas um consumidor em um mundo de produtos tóxicos e mal projetados. Todas as escolhas parecem contribuir para a erosão da saúde humana e ambiental: o carpete adoece nossos filhos, o carro queima combustíveis fósseis, a TV é feita de materiais tóxicos. Quando qualquer coisa que você compra é nociva ao mundo, o consumo permanece distante de qualquer noção sustentável que celebra a abundância e o deleite.

Apesar de perseguir uma visão saudável, o comércio sustentável não existe. A ideia de que o mundo natural está sendo inevitavelmente destruído pela indústria ou de que a demanda excessiva por bens e serviços causa malefícios ambientais é uma simplificação. A natureza – altamente laboriosa, surpreendentemente produtiva, extravagante mesmo – não é eficiente, e sim eficaz. Um design baseado na eficácia da natureza, um design ecoeficiente, pode resolver em vez de aliviar os problemas que a indústria cria, permitindo que ambos, negócio e natureza, sejam fecundos e produtivos.

A ABUNDÂNCIA NA NATUREZA
Será possível a coexistência fecunda da indústria e da natureza? Pense na cerejeira. Toda primavera ela produz milhares de flores, mas apenas poucas delas germinam, enraízam e crescem. Quem olharia para as flores que acumulam no chão e pensaria: ”Que ineficiência, que desperdício!”?

A abundância da árvore é útil e esperta. Depois de cair no chão, as flores retornam ao solo e tornam-se nutrientes para o meio. Cada partícula contribui de alguma forma para a saúde de um ecossistema próspero. Resíduo permanente não existe: o resíduo nutre e alimenta.

Enquanto cresce, a cerejeira, através da fotossíntese, produz alimento, nutrindo animais e micro-organismos. Absorve carbono, produz oxigênio e filtra água. Os seus galhos e folhas abrigam micro-organismos e insetos que também desempenham papéis no sistema local dos ciclos naturais. Até morrer, a árvore fornece alimento pela decomposição, liberando minerais para novas vidas. Da flor à árvore adulta, vemos que o crescimento da cerejeira é regenerativo. O seu ciclo de vida é berço a berço (cradle to craddle) – depois de cada vida útil, ela fornece alimento para algo novo. No mundo berço a berço, com ciclos naturais movidos a energia solar, o crescimento é positivo, o resíduo é nutritivo e a diversidade de respostas da natureza ao meio ambiente é a fonte do design inteligente.

Paralelamente, os ciclos industriais tendem a ser do berço para o túmulo (cradle to grave). Normalmente, a produção e o consumo de bens, seguem um caminho de mão única, uma rota linear da fábrica até a casa e ao aterro sanitário. Materiais residuais e emissões nocivas norteiam os produtos desde o seu berço industrial ao túmulo do aterro local. Reciclagem e regulações são frequentemente utilizadas para minimizar os impactos negativos da indústria, mas por que não partir, desde o início, da criação de produtos e sistemas que tenham apenas impactos positivos e regenerativos? Por que nos ajustar a um sistema prejudicial quando podemos criar um modelo a ser comemorado e aplaudido por todos?

Um comércio que vale a pena aplaudir aplica os ciclos da natureza na produção das coisas. Gera produtos seguros e ecologicamente inteligentes que, coma a cerejeira, fornecem alimentos para algo novo depois de cada vida útil. Da perspectiva do design, significa criar produtos que funcionam dento do ciclo de vida berço a berço invés de berço ao túmulo. Significa que, no lugar de projetar produtos para serem usados e jogados fora, começamos a imitar os sistemas eficientes da natureza e projetar cada produto como nutriente.

Mas o que é um produto nutritivo? Não é simplesmente um produto totalmente natural ou reciclado. É um produto concebido para fornecer nutrientes para os dois metabolismos discretos da terra: a biosfera – o ciclo da natureza – e a tecnosfera – o ciclo da indústria. Embalagens de alimentos leves, por exemplo, podem ser concebidas para ser parte nutritiva do metabolismo biológico, se feitas de compostos orgânicos a serem devolvidos com segurança ao solo e consumidos por micro-organismos. Materiais sintéticos, produtos químicos, metais e bens duráveis são parte do metabolismo técnico; eles podem ser concebidos para circular dentro do círculo fechado dos círculos industriais fornecendo “alimento” para a tecnosfera;

Carros, gabinetes de computador, máquinas de lavar, televisores, etc. Podem ser projetados para agregar valor na medida em que circulam do produtor ao consumidor. Em vez de serem reciclados ou “desciclados ” em materiais de menos qualidade; podem ser utilizados em ciclos técnicos fechados – o que chamamos de produtos de serviço – continuamente circulando como produtos de alta qualidade. Em breve, consumidores poderão comprar os serviços de tais bem e os fabricantes vão levá-los de volta a pedido dos consumidores. Usando-os na próxima versão do produto.

Quando os produtos tanto da biosfera como da tecnosfera fazem uma viagem só de ida para o aterro, uma grande riqueza de nutrientes é desperdiçada. Envolto em plástico, o lixo orgânico não pode renovar o solo e valiosos materiais técnicos ficam perdidos para sempre. Pior ainda, os dois metabolismos são misturados, contaminando-se: a biosfera não está preparada para absorver os materiais da indústria e a tecnosfera usa pouco ou nada dos nutrientes orgânicos. Mas, se as coisas produzidas forem canalizadas para um ou outro desses metabolismos, os produtos poderão ser fabricados e consumidos com segurança, considerados nutrientes, ao mesmo tempo biológicos ou técnicos, que fornecem alimentos às suas respectivas esferas da natureza e da indústria.

Tal estratégia é bem diferente da estratégica de desmaterialização. Os proponentes da desmaterialização pretendem reduzir a qualidade de recursos utilizados para criar um produto. Querem fazer um papel mais fino, embalagens mais leves, latas de alumínio melhores. Embora essas inovações possam conduzir a utilização mais eficiente dos materiais, elas não examinam a química dos materiais, os impactos dos processos industriais, nem as circunstâncias locais da sua utilização. Em vez disso, propomos algo diferente. Gostaríamos de ver uma transformação real do comércio, o design ultrapassado o uso eficiente da natureza e, criando produtos que nutrem sem esgotar o mundo. Não se trata de negar a eficiência: gostaríamos simplesmente de fazer a eficiência trabalhar a serviço de uma visão centrada na vida.

UMA NOVA PERSPECTIVA GLOBAL
Entendemos que toda sustentabilidade é local. É muito importante que uma empresa global alcance efeitos locais positivos. Em princípio, isso sugere um compromisso com o lugar e um design que trabalha a partir do ambiente circundante. Mas também sugere que se pense nos efeitos distantes de ações locais e nos efeitos locais de ações distantes. É possível praticar uma globalização virtuosa.

As empresas podem começar planejando produtos, sistemas de produção e locais de trabalho que se encaixem em cada lugar de sua atuação. Imagine uma empresa global agregando valor a seus produtos através da aplicação de um elevado padrão internacional de investigação científica – ferramenta comum de pesquisas coorporativas – a nível local, abordando necessidades básicas como nutrição, química do solo ou água limpa. Um produto prototípico de consumo como o sabão permite imaginar esse situação.

Atualmente, o sabão é produzido em massa e vendido para o mundo em uma única solução, independente de necessidades específicas. Detergentes são projetados para remover a sujeira e matar germes em qualquer lugar, do Brooklyn a Bangkok. Ao invés de responder a diferentes métodos de lavagem e a químicas de água encontrados em cada lugar. Os fabricantes simplesmente adicionam mais força química em substituição às condições locais. Embora os fabricantes de detergente orgulhosamente anunciem que seus produtos são “livre de fosfatos”, eles não estão livres de outras químicas prejudiciais. A força industrial necessária para fazer um sabão funcionar em qualquer contingência, faz de uma pequena dose um potente poluente. Combinados com outro resíduos o fluxo de detergente que escorre da pia, mesmo diluído, não é benigno. A saúde de rios e córregos, a vida de peixes e plantas aquáticas e a qualidade da água potável são afetadas. Em vez de impor um produto universal nos mercados de todo mundo, um fabricante de sabão pode aplicar tecnologia sofisticada e expertise em química para o desenvolvimento de detergentes que não são apenas seguros em todos os lugares, mas projetados para atender às necessidades especificas dos ecossistemas e proporcionar efeitos nutritivos localmente. Detergentes poderiam ser produzidos empregando mão de obra local e ser vendidos em embalagens biodegradáveis, desenhadas para ser alimentos para o solo, ou em discos de pequenos formatos que eliminariam as embalagens.

Com tais inovações crescendo organicamente a partir de pesquisa, a empresa global desenvolveria produtos adequados para cada lugar, projetados sem produtos químicos perigosos; construiria um sistema efetivo de produção; eliminaria resíduos; protegeria da poluição as águas locais e proveria alimento para o solo. Nada mal para um detergente!

Muitos produtos estão no ponto para inovações que terão impactos positivos mundiais. Alguns exemplos: um fabricante de embalagem poderia projetar um recipiente de alimento biodegradável para os mercados da China, onde a eliminação de isopor é um problema nacional. Na Índia, onde os resíduos são frequentemente queimados como combustível, garrafas plásticas poderiam ser produzidas com novos polímeros em substituição às perigosas toxinas, como o antimônio, liberado quando incinerado. Na verdade, polímeros produzidos sem antimônio já foram projetados e oferecem alternativas promissoras no mercado global.

ELOGIO À ROUPA SUJA
Se olharmos para coisas tão simples como água e sabão no contexto da vida cotidiana, podemos começar a ver alguns dos surpreendentes efeitos de longo alcance de um mundo berço a berço. Imagine, por um momento, uma comunidade que quer reinventar-se. Depois de uma rodada difícil, mas excitante, de reuniões públicas, os cidadãos decidiram que querem renovar a sua conexão com o mundo natural e restaurar as qualidade de uma pequena cidade saudável. Junto com o planejamento para preservar um bairro comercial, bairros de uso misto, ruas de pedestre e muitos parques e playgrounds, a cidade também identificou a necessidade de uma variedade de novos espaço sociais. Espera-se que muitos dos novos espaços criados una as gerações, proporcionando experiências de proximidade com a natureza na rotina diária. Com efeito, a comunidade quer derrubar o muro entre o comércio, a cultura local e o mundo natural.

Um dos novos espaços criados é um centro comunitário operado como um negócio viável por aposentados. O centro é composto de uma lavanderia, uma creche, um posto de saúde e um serviço de mobilidade urbana. Ela fica na rua principal, na antiga estação ferroviária, que agora incorpora nova tecnologia para criar sistemas de energia solar, terra e vento. Na verdade, iluminação natural, painéis fotovoltaicos e uma turbina de vento remoto em uma fazenda eólica permitem que o centro funcione sem uma gota de combustível fóssil. Jardins botânicos e tanques ao ar livre cuidam do tratamento do esgoto e águas pluviais, também gerenciados no local. A antiga estação recebeu outra novidade: um lugar de uso comum onde todos se reúnem no coração do bairro. Enquanto a mães sentam e conversam durante o café, apreciando a vista, dois homens relaxam sob o sol quente enquanto esperam para se consultarem no posto de saúde. Outros esperam o elevador para a garagem subterrânea, onde uma pequena frota de carros comunitários está estacionada. Os carros foram concebidos a partir de materiais reciclados e são alimentados por células de combustível. Os carros são conduzidos por aposentados que levam crianças à escola, buscam mantimentos e lavanderia e pegam e levam pessoas para o posto de saúde. A frota permite que a maioria das pessoas mantenham seus carros fora da cidade enquanto reintegram os novos motoristas na vida da comunidade. Vamos a lavanderia: o negócio é rápido e rentável. A maioria das pessoas da comunidade optou por não lavar, secar e passar roupas em casa, decidindo que seria mais barato, rápido, ecologicamente inteligente e socialmente útil, levar a roupa para a lavanderia. Assim, as máquinas de lavara aplicam energia solar e detergente inofensivo para a natureza. Após cada lavagem, a água utilizada transborda para um jardim interno criando calor e, então, flui para fora através de uma zona úmida que fornece alimentos para as flores e plantas. O centro comunitário tornou-se um habitat fecundo como uma árvore, ele produz oxigênio, absorve carbono, corrige nitrogênio, purifica água, faz açúcares complexos e alimentos, criando assim um ambiente onde as gerações se encontram.

Da lavanderia, a vista é deslumbrante. Um senhor olha para a cidade montanhosa e depois de dobrar uma pilha de roupa, carrega-a para a creche, onde faz uma pausa para assistir ao seu neto brincar ao ar livre com as outras crianças. Percebe que vive em um lugar de riqueza comunitária e que contribui diariamente para esse crescimento. E esse é apenas um exemplo de como o design ecoeficiente pode transformar experiências cotidianas.

Confrontando com o mundo em que vivemos hoje, o cenário proposto encontra-se entremeado de coisas que poderíamos lamentar como o impacto de automóveis movidos por combustíveis fósseis ou a poluição dos rios e córregos, testemunhos de que as estratégias industriais em voga nunca atingirão um alto padrão de vida para os povos do mundo. As transformações propostas permitem às nossas crianças uma história de esperança. Buscando um futuro possível, as tragédias de hoje nos estimulam a imaginar soluções. Primeiramente, podemos simplesmente tentar nos libertar de algo que sabemos ser prejudicial, como o cloro ou o chumbo. Na medida em que começamos a conhecer melhor os produtos que compramos, podemos fazer escolhas. Designers envolvidos nessa transformação começariam a analisar os materiais usados nos produtos, substituindo as substâncias nocivas por ingredientes benignos. Outros produtos seriam desenhados a partir de materiais definidos como nutrientes totalmente seguros, tanto biologica como tecnicamente. E, finalmente, desenvolveriam sistemas de montagem coerente com o fluxo berço a berço.

Essas mudanças estão ao nosso alcance. Na verdade, já começaram. E, quando percebemos os frutos de nossos esforços, os atuais lamentos transformar-se-ão em celebrações de um mundo em que as pessoas e a natureza prosperam juntas, abundantemente, extravagantemente... esperançosamente."

18.3.15

DURB : Design Urbano 1

Quem projeta o mobiliário urbano de Aracaju?

Fiz essa pergunta pela primeira vez quando os pontos de ônibus próximos aos dois maiores shoppings da cidade - e na época, os únicos - foram reformados, apresentando um design novo. Dessa vez, eles se apresentavam com um desenho claramente moderno, com linhas retas e formas geométricas bem definidas, detalhes em amarelo e vidro como um dos principais materiais, junto com o metal. O ponto de ônibus parecia mais compacto sem perder espaço, e, por ter muito vidro, não escondia as pessoas que utilizariam o mobiliário urbano do entorno da cidade, nem tampouco a cidade destas. Isso aconteceu há alguns anos e esse fato não deve ser lembrado por muito mais gente. A não ser por transeuntes atentos mais habituais dessas áreas, e também pelos usuários desses pontos.

Esses últimos não devem ter esquecido por um simples fato: o teto do ponto, também de vidro, deixava a mostra o espetacular céu de Aracaju, mas também deixava os usuários a mercê de seu sol inclemente. Quando vi o novo ponto pela primeira vez, que me chamou a atenção justamente pelo desenho arrojado, percebi o problema logo de início. Essa foi a causa de meu questionamento: quem projeta o mobiliário urbano da cidade onde eu vivo?

Certamente alguém que não anda de ônibus.

Ainda que não sejam tão críticos quanto o exemplo apresentado, diversos outros problemas podem ser percebidos num olhar mais demorado sobre os objetos urbanísticos públicos da cidade. Saindo das especificidades de cada projeto, no entanto, é gritante a falta de consistência e coesão entre eles. Isso se torna um problema, pois descaracteriza a cidade e perde-se o valor imaterial de um mobiliário urbano reconhecível e de fato apropriado culturalmente pela população. A impressão que fica é que pouco cuidado - ou nenhum cuidado, como é o caso de tetos de vidro para pontos de ônibus - são dispensados quando o assunto são os objetos públicos de uso cotidiano pela população. Arriscaria dizer mais: a impressão é que são deliberadamente pobres - em design e em qualidade - para que na próxima gestão possam ser substituídos diante dos olhos dos eleitores.

Independente do motivo da falta de atenção por parte dos responsáveis pela infraestrutura da cidade de Aracaju - que inclusive, tem se tornado famosa por cobrir de asfalto elementos tradicionais e representativos dessa infraestrutra, assunto pra outro texto -, é possível especular o motivo pela falta de coesão desses objetos. Além é claro, de uma falta de lógica e sincronia num planejamento urbano a longo prazo, talvez isso advenha de uma característica ainda mais profunda.

Sergipe está passando claramente por um momento de descobrimento de sua cultura. A mentalidade provinciana local, finalmente dá espaço para que as pessoas olhem para sua própria terra e se reconheça em sua própria cultura. É a identidade sergipana que está finalmente sendo percebida, nesse longo processo. A existência do Museu da Gente Sergipana é um grande passo para isso, pois Aracaju, nas últimas duas décadas, foi construída por muitas pessoas do interior do estado e de fora dele. Não houve espaço para preservação de sua cultura e tradição identitária.

Essas características acabam sendo refletidas também num olhar pouco cuidadoso sobre os espaços que compõe a cidade, e no mobiliário desses espaços, consequentemente. É preciso olhar para a geografia recortada por diversos rios sinuosos; para a vegetação costeira, passando pelo agreste e chegando no sertão; para a riquíssima indumentária das manifestações folclóricas, festas e artesanato tradicional; para as características do seu povo, reservado como bom tabaréu, mas bastante criativo e ativo. Isso tudo serve de inspiração para um design urbanístico mais próprio e que se relacione melhor com o modus vivendi da população. Obviamente, uma gestão estratégica e orientada pelo design é essencial para haver melhoras. Para que não hajam mais pontos de ônibus que nem sequer protegem do sol.

p.s.: hoje, os pontos de ônibus mencionados não existem mais. Depois de algumas semanas, seus tetos foram recobertos com um revestimento qualquer - sem nenhuma integração com o projeto original - para que a passagem de raios solares fosse impedida de maneira improvisada. Tempo depois, o desenho do ponto de ônibus foi substituído por outro, que apesar de possuir uma cobertura que protegia do sol forte, também não tinha qualquer relação com o restante do mobiliário urbano da cidade, nem com as pessoas que ali esperavam o transporte público todos os dias.

13.3.15

13th