18.3.15

DURB : Design Urbano 1

Quem projeta o mobiliário urbano de Aracaju?

Fiz essa pergunta pela primeira vez quando os pontos de ônibus próximos aos dois maiores shoppings da cidade - e na época, os únicos - foram reformados, apresentando um design novo. Dessa vez, eles se apresentavam com um desenho claramente moderno, com linhas retas e formas geométricas bem definidas, detalhes em amarelo e vidro como um dos principais materiais, junto com o metal. O ponto de ônibus parecia mais compacto sem perder espaço, e, por ter muito vidro, não escondia as pessoas que utilizariam o mobiliário urbano do entorno da cidade, nem tampouco a cidade destas. Isso aconteceu há alguns anos e esse fato não deve ser lembrado por muito mais gente. A não ser por transeuntes atentos mais habituais dessas áreas, e também pelos usuários desses pontos.

Esses últimos não devem ter esquecido por um simples fato: o teto do ponto, também de vidro, deixava a mostra o espetacular céu de Aracaju, mas também deixava os usuários a mercê de seu sol inclemente. Quando vi o novo ponto pela primeira vez, que me chamou a atenção justamente pelo desenho arrojado, percebi o problema logo de início. Essa foi a causa de meu questionamento: quem projeta o mobiliário urbano da cidade onde eu vivo?

Certamente alguém que não anda de ônibus.

Ainda que não sejam tão críticos quanto o exemplo apresentado, diversos outros problemas podem ser percebidos num olhar mais demorado sobre os objetos urbanísticos públicos da cidade. Saindo das especificidades de cada projeto, no entanto, é gritante a falta de consistência e coesão entre eles. Isso se torna um problema, pois descaracteriza a cidade e perde-se o valor imaterial de um mobiliário urbano reconhecível e de fato apropriado culturalmente pela população. A impressão que fica é que pouco cuidado - ou nenhum cuidado, como é o caso de tetos de vidro para pontos de ônibus - são dispensados quando o assunto são os objetos públicos de uso cotidiano pela população. Arriscaria dizer mais: a impressão é que são deliberadamente pobres - em design e em qualidade - para que na próxima gestão possam ser substituídos diante dos olhos dos eleitores.

Independente do motivo da falta de atenção por parte dos responsáveis pela infraestrutura da cidade de Aracaju - que inclusive, tem se tornado famosa por cobrir de asfalto elementos tradicionais e representativos dessa infraestrutra, assunto pra outro texto -, é possível especular o motivo pela falta de coesão desses objetos. Além é claro, de uma falta de lógica e sincronia num planejamento urbano a longo prazo, talvez isso advenha de uma característica ainda mais profunda.

Sergipe está passando claramente por um momento de descobrimento de sua cultura. A mentalidade provinciana local, finalmente dá espaço para que as pessoas olhem para sua própria terra e se reconheça em sua própria cultura. É a identidade sergipana que está finalmente sendo percebida, nesse longo processo. A existência do Museu da Gente Sergipana é um grande passo para isso, pois Aracaju, nas últimas duas décadas, foi construída por muitas pessoas do interior do estado e de fora dele. Não houve espaço para preservação de sua cultura e tradição identitária.

Essas características acabam sendo refletidas também num olhar pouco cuidadoso sobre os espaços que compõe a cidade, e no mobiliário desses espaços, consequentemente. É preciso olhar para a geografia recortada por diversos rios sinuosos; para a vegetação costeira, passando pelo agreste e chegando no sertão; para a riquíssima indumentária das manifestações folclóricas, festas e artesanato tradicional; para as características do seu povo, reservado como bom tabaréu, mas bastante criativo e ativo. Isso tudo serve de inspiração para um design urbanístico mais próprio e que se relacione melhor com o modus vivendi da população. Obviamente, uma gestão estratégica e orientada pelo design é essencial para haver melhoras. Para que não hajam mais pontos de ônibus que nem sequer protegem do sol.

p.s.: hoje, os pontos de ônibus mencionados não existem mais. Depois de algumas semanas, seus tetos foram recobertos com um revestimento qualquer - sem nenhuma integração com o projeto original - para que a passagem de raios solares fosse impedida de maneira improvisada. Tempo depois, o desenho do ponto de ônibus foi substituído por outro, que apesar de possuir uma cobertura que protegia do sol forte, também não tinha qualquer relação com o restante do mobiliário urbano da cidade, nem com as pessoas que ali esperavam o transporte público todos os dias.

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